essa noite sonhei com carmen miranda

laura carolina
3 min readDec 12, 2023

ou a carmen que não vivemos

essa noite sonhei com carmen miranda.

tudo começou, creio eu, com uma foto postada no perfil (que adoro) o rio que não vivi, no instagram. nela, carmen posa ao lado do namorado mário cunha e de outras pessoas em petrópolis, no ano de 1929. essa foto grudou em mim.

em “a interpretação dos sonhos” freud ensina a buscar o fio que inevitavelmente ata realidade e sonho. algo que vivemos no período de vigilância permanece latente na memória imediata, gritando para ser resgatado pois tem algo a dizer. porque carrega consigo um sentido.

o sentido de sonhar com carmen miranda podem ser muitos.

carmen em 1941 na calçada da fama

em 2020 li “carmen, uma biografia”, trabalho impecável e gigantesco de ruy castro. e com a leitura aprendi a amar carmen — algo impossível de não ser feito. talento, carisma, visão artística, criatividade, essas coisas que são meio que sinônimos entre si e que nela funcionavam com perfeição. uma estrela cuja importância e impacto sobre nós (os brasileiros) e sobre os outros (os americanos) nunca iremos compreender. carmen fez a broadway e hollywood caírem de amores. mas nós viemos muito depois, quando o chapéu com frutas, os balangandãs e trejeitos de dançar com os braços oscilantes na frente do tronco já eram considerados bastante batidos e até caricatos. coisas de um brasil que não queríamos ser. mas é impossível negar serem elementos de uma entidade cultural tão forte que parece ter existido desde sempre. e que não existiria se não fosse carmen.

e sempre lembro que carmen encantou e influenciou também uma contemporânea sua, que é a minha bailarina preferida da era de ouro do cinema egípcio: tahya carioca. sem carmen, existiria tahya carioca? ou somente uma outra bailarina criada por badaweya mohamed, no cairo dos anos 40, sem dispor como fonte de inspiração da dança carioca que carmen levava ao cinema?

muitas coisas não existiriam se não fosse carmen.

carmen morreu jovem, aos 46 anos, e por isso meu sonho foi tão especial. nele, eu conhecia carmen em pessoa. ela era uma senhora pequenininha e enrugada, bastante idosa e alegre. parecida com a moça da foto de 1929, em petrópolis. não sei onde nos encontrávamos, ela, minha mãe e eu. a lembrança mais forte do sonho foi que pedi para tirarmos uma foto juntas (com o celular mesmo, o que traz carmen diretamente para os anos 20 do século 21) e ela me abraçou. miudinha (ela era mesmo), ela me agarrou num abraço forte, enlaçando carinhosamente a minha cintura, e posou, sorridente, para a câmera de um smartphone. no século que ela nunca viu, na velhice que nunca viveu, com o sorriso que sempre teve.

eu sabia que ela era ela. nos sonhos a gente sempre sabe. às vezes, toda a aparência de uma pessoa muda, mas ela continua sendo.

os sonhos, como a imaginação e a história, falam sobre a essência. o que não muda e atravessa o tempo. e carmen o fez para falar alguma coisa para mim. ainda vou descobrir o que é.

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laura carolina

respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada | jornalista e estudante de história | são paulo | laura.cac90@gmail.com