como ganhamos a vida

laura carolina
5 min readApr 7, 2021

vou fazer o que evito,

que é falar muito de mim mesma, e sem o “filtro literário” que dou aos meus textos do medium. vale dizer que a técnica do filtro foi criada após anos me expondo demais em blogs intimistas demais, lá nos anos de adolescência. aliás, cá entre nós? só por hoje vamos fingir que isso aqui é tal e qual um blog de 2005. porque o assunto é algo que me arranha as entranhas desde 15 anos atrás mesmo, e que nunca me deu sossego desde então: trabalho (e, indo mais longe, vocação).

quero começar dizendo que meus pais nunca se opuseram à minha escolha acadêmica/profissional de estudar jornalismo. e que eu nunca pensei (a sério) em estudar outra coisa. direito, economia, administração, letras, engenharia, ciências sociais. nada disso passou pelo meu estreito horizonte entre os 13 e os 18 anos. eu era uma menina nascida, criada e embebida no mundo da imprensa analógica. analogérrima, com aquele jornal de domingo que pesava quase cinco quilos, tantos eram os cadernos e encartes do dia mais especial da semana. e as revistas? adolescentes ou não, eu as comprava e lia. lia em pé na banca, lia na casa das outras pessoas e nas bibliotecas. meu deus, eu amava e amo revistas! amo de um jeito que amei poucas coisas, nem os livros chegam nesse nível (pois é, perdão). arrisco dizer que quase qualquer revista, de qualquer segmento e de qualquer tempo, me interessava. e amo cada uma das (poucas) revistas para as quais trabalhei.

em 2009 eu entrei na faculdade e ninguém previu com exatidão a bagunça que os anos seguintes seriam. a internet cresceu, sugando boa parte das dinâmicas e processos midiáticos (entre eles as minhas adoradas revistas). o quebra-quebra das antigas velhas empresas do ramo pareceu inevitável. as redações que eu namorava durante a adolescência minguaram. pejotização, frila fixo e olá, pós-mundo da comunicação. é doloroso, estranho e engraçado (a sensação é de um ataque de cosquinha mental) viver uma revolução tecnológica e de mercado (basta dizer que, nesse espaço de tempo, o smartphone foi inventado, e tudo mudou). fomos atropelados por um novo mundo que fez desabar nossas antigas estruturas, que, dizem, já não era das melhores. as revistas ganharam formato misto de internet-impresso, com o impresso cada vez menor, em tamanho e tiragem. revista sempre foi um negócio caro, mas quando era um produto caro porém rechonchudo e com um volume e qualidade de informações que não se encontravam em outro lugar, era um bom negócio. depois… a gente sabe.

essa redação arcaica é mais parecida com o mundo onde eu cresci do que com o atual (a imagem é wikicommons)

como resolver essa pendenga entre nós (profissionais e empresas) e “eles” (consumidores, que somos majoritariamente também)? não faço ideia. existem mentes brilhantes estudando e botando a mão na massa na construção desse novo mundo da comunicação, cuja forma final nós nunca iremos conhecer, e que provavelmente nunca virá a existir. profissionais híbridos, antenados, fazendo coisas bacanas na internet que eu amo acompanhar. já eu perdi o fio da meada nessa década e meia de internet, mega revoluções e onde-fica-o-texto-nisso-tudo. é com uma sensação de fracasso e falta de propósito que confesso que não me encontrei em nenhum dos novos lugares abertos (mídia digital, vídeo, podcast, nada).

eu sempre fui da escrita, por mais que soe presunçoso (soa?) falar assim. resolvi virar jornalista porque amava revistas, amava ler revistas e amava escrever (processo que, acredito, moveu e move a grande maioria dos jornalistas e aspirantes). meu amor pela escrita sempre foi derramado, inexplicável e implacável. escrevendo eu me sentia (e me sinto) um rio fluindo pro mar. tenho a sorte de trabalhar escrevendo e espero escrever até o último dia da minha vida, amém. mas perdi a linha condutora da escrita enquanto trabalho e enquanto lugar no mundo do trabalho. as paredes ao meu redor parecem cada vez mais estreitas, porque só escrever (e entrevistar, pesquisar, editar e entender de processos produtivos e mercado, ou seja, ser uma operária do texto) não atende mais a demanda do mercado. claro, isso era no mundo que já foi. agora é preciso mais, coisas novas a cada dia, e abrir essas novas estradas exige um nível extra de paixão e ousadia, seja reinventando a imprensa ou trabalhando no mundo corporativo (em empresas e/ou produtos digitais). até porque as coisas estão cada vez mais parecidas e cada vez mais diferentes, e você tem que dominar ferramentas e estar sempre pronto pra caber em qualquer lugar, em qualquer linguagem, em qualquer canto da rede.

o que eu queria é, que, para mim e na minha vida pessoal (eu avisei que seria um desabafo), esse movimento de mudança não fosse uma fuga e nem um recuo, e sim um passo firme, decidido, cheio de certeza. aí me pergunto “será que eu sou acomodada por não saber filmar e editar vídeo e áudio?”, “será que eu deveria me candidatar a vagas nada a ver com o que fiz até hoje pra mostrar que estou sim disposta a mudar?”, “meu deus, será que eu nunca vou evoluir no mercado e vou ficar presa em 1988, enquanto alguém que basicamente pesquisa, escreve & edita, mas nunca trabalhou com metodologia ágil?”. sou toda interrogações e ponderações em espiral. e acima disso tudo paira a pergunta-mãe: será que escrever e colher histórias saiu de moda? será que o futuro das histórias contadas é o tiktok? (observação: eu adoro o tiktok, perco minutos infinitos lá dentro e me divirto bastante)

de tanto minha cabeça martelar sobre escrever e sobre histórias, comunicação, linguagens, mercados, jornalismo e futuro (e de entrar em pânico no linkedin, onde todo mundo é realizadérrimo), em 2020 cansei. aproveitando a consciência de finitude e o senso de urgência ofertados pela pandemia, me dediquei a estudar pro vestibular e passei na fuvest. agora em 2021, com 31 anos de idade, começo a cursar história na fflch. esse curso quase era meu plano b na adolescência. porque, entre todas as revistas, a revista de história da biblioteca nacional era das minhas preferidas, e, entre os livros, a coleção nosso século, da editora abril, era dona do meu coração. mas eu não me vejo e não me via na docência, então descartei a história e abracei o jornalismo, onde eu poderia escrever. mas o destino (deus?) é caprichoso, e eis que, nos últimos anos, boa parte do meu trabalho inclui ser historiadora amadora. e ora bolas, se vamos todos morrer, por que não tentar virar historiadora de fato?

não sei se vou largar a escrita e o jornalismo, não faço ideia do que a comunicação reserva pra mim e pra todos nós. é um mistério, o futuro. e sempre gostei de sentir o bafinho da história, os passos de gente morta há séculos, imaginar meus pés nas ruas cheias de lama da são paulo colonial. correr atrás de fantasmas e decifrar sussurros. o passado também é um mistério. de mistério em mistério, vou me dedicando a cada um deles, fuçando e recontando do jeito que sei recontar: com a palavra escrita. e até aí nada de novo, afinal o jornal diário é e sempre foi um folheto histórico, que fala apenas sobre o que aconteceu ontem. nada mais pós-moderno do que abraçar a fluidez do tempo e das coisas.

e como diriam os antigos romanos (um povo que, como poucos, escrevia e destruía histórias com grande perícia, e que descobriu penosamente que impérios podem estar por um fio), alea jacta est!

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laura carolina

respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada | jornalista e estudante de história | são paulo | laura.cac90@gmail.com